E era tal essa uma terra tão desconexa que mal recaiam sobre ela palavras concretas; um guerreiro d'espada à mão, mil anos de perdão, diriam os velhos tolos (os sábios de Alandost). Um guerreiro d'estrada - vagabundo - celas de prisão destrava, moribundo (os tolos em Alandost costumavam jogar a razão aos porcos, como pérolas faladas às ruas em que eram ignorados, mendigadores sujos).
Mas e naquelas malgulhas de reminiscências, memórias de uma tecelã decadente, onde havia ainda um guerreiro que declamava? Isto é, não remarcado por tatuagens, não dotado de barba basta e alquimicamente alterada, palavroso de coisas a dizer e não de mulheres a encantar; contaria ela pois uma história de sorte, ouvinte bom logo notaria, pois seria aquele o último Poeta-Guerreiro de Alandost.
E para quê tantos verbos, saudoso lamento que infringe a liberdade ribombosa de ouvidos alheios? Puberdade da alma, momento em que florescem-se a si vontades organizadas, nunca florescera em Alandost, até então. Logo que morrera ele, havia sido assim concretizado. Mas aí já havia a terra outro nome; já ao irmão havia o soberbe matado, com seu sangue a terra arado.
Pois quitam-se as doces rimas, evitam-se as estéticas remeladas de um outro pergaminho; vai-se a história, que começa-se pelo mesmo cocô de anjo. Primeiro, perguntou-se, “papai, e por que cagam-nos eles?” O pai riu e nada respondeu. Depois, estava com a espada. Como dali o havia matado, era outra carroça e meia de balanços do plantio ao campo dos estercos; sabe-se apenas que escreveu com o sangue:
Força de punho alma preserva;
Força de alma punho amolece.
Doce trigueira bom homem entorpece;
Sangue quente pio homem enlouquece.
Amarga matreira o homem agradece;
Ao cuspe fraterno bom homem esquece.
Mau homem não pensa duas vezes;
Bom homem repensa demais.
Mau homem caminha entre as reses;
Bom homem se satisfaz.
Ah, bem, pois havia uma mulher. Era como gato, e apreciava as coisas subjetivas em que se sujeita aparentar enfado. Fazia enleio, ficava-se por dúvida, apreciava palmadinhas no flanco. Mas nunca dando a graça da certeza, que era desgraça disfarçada. Perdeu-se o que escreveu sobre ela, mas por meio de símbolos quasi-decifrados, sabemo-lo que aspirava sempre os aromas de seu cabelo anil, docemente (advérbio amado por eles) amarrado em caudas irmãs, ambas recaindo pelo pescoço simétrico, brancura alva onde despontava vez ou outra uma veia clarinha, transignificada por seus olhos aquosos, uma espécie rara de beleza translúcida que mais tarde viria a ser arrancada e posta em conserva nos museus-reais de Alandost.
Das trevas mitenes tambor impera
E ao suave recanto fulgores descem
Das doces águas que a Deusa venera:
Enleios de gema-cristal enaltecem.
Qual montes fugidios vão crescendo;
Às lentes do homem vão morrendo.
Tudo cristal claro e doce embarca;
Por vezes ciano, vezes anil remarca.
E aos sombrosos sons da trovoada
Tudo anil sem-fim se entalha;
Cedem o bordô e a sã borralha.
E resta ao hemistíquio perene
Só três anis coisas à boca versar:
Os braços, a língua, a voz solene…
Os quadris rosados de tanto amar.
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