O Rei Antigo sentado em seu trono
Era o principal ponto da visagem.
À sua direita uma mulher confronto,
Meus olhos a vêem branca debaixo do
Véu claro e oblongo.
Segue a ela uma velha, decrépita e vermelha
Sentada na alta-cadeira entalhada
Na velha e austral cadeira de ama;
Sua capa é rubra, estarrecida de chama.
Ao seu lado um cavaleiro, brilhante
E felizeiro como o Sol. Ele sorri metálico
Com o aço reluzindo as partes descobertas
De sua doce capa azul, tinindo.
E então um prisioneiro. Sua máscara de rua
É sina descoberta de seus crimes contra a Lua
E o roupão de ferro é tortura robusta
Feita com esmero, para imitar um cavaleiro de justa.
Mas ali o carcereiro, bem mesmo o seguindo
Veste armadura negra, tachonada de refinos.
Seu elmo é um mastim, com mandíbulas de aço
E os olhos fulgorosos, suportando um alecrim
Que a curandeira o dera com um pote de melaço.
(Suave curandeira, menina matreira
Que fique entre nós; sua morte foi necessária)
Sucedia-a o feiticeiro, homem de cabelos negros
E intenções sombrias. Escrevia em papiro,
Destilava flor de lírio, em pastilhas coloridas
Que o cavaleiro brilhante colecionava. Vestia-se
De preto, tinha um livro em breu aberto,
Páginas escurecidas. A pele era alabastro.
Mas e o piromante cego? Tantas voltas já fazia
Estava em meio a roda, com seu arco de polia;
Vestia cetim sujo e grosso, rasgado e um pouco roto
Na mão a velha flama, coberto o rosto por bandanas
O piromante era fagulha, ao que com martelo
O grande ferreiro vertia as chamas.
Era este grosso e bronco, todo sujo
De carvão, as mãos todas calejadas
No pescoço um medalhão;
Batia com o martelo ali parado
Em hora menos solene, agora sentava prostrado
Esperando o mais tardar
Ou a canção da Sirene.
Tinha o peito desnudado,
Que de soslaio fitava a bruxa,
Quem em outra vida fora puta;
Desfilava chapéu negro e pontudo
Encobrindo os róseos lábios bojudos
E o vestido sereno e escuro
Guardando a bainha sombria, que dera, junto
Com a alma, para afar sua magia.
Sua irmã de revelia, de robe e galardão
Amaldiçoado, coque branco e tranças tilintando
Com trinados, que só os chocalhos
Feitos-dourados podiam soar, ao seu lado falecia;
Na cintura a espada da noite, com lâmina efêmera
E corte semifísico, herança de passado demoníaco
Também sem bainha jazia.
Ali mais haviam o seu tio e sua concha selada,
De uma raça danificada e deixada vazia
Pelos trejeitos misteriosos do deus umbroso
Que por suas mãos oscuras as correntes fazia;
E o cajado com o sino, soando sempre um destino
Às vezes calava também…
Na figura de um menino, olhava-se outro cavaleiro
(E o sino: belém, belém)
Com espada e braseiro amoitado em lampião;
Cutucava uma botija, em sua mão a luva rija
Friorava um comichão: viera desde a noite fria
Sentar-se em cohorte, em busca de sua consorte:
A chama que os pariu.
O homem invocado, com a capa e o arado
Fulgurava de outro mundo um brilho anil
Copiava em sua mão, a lembrança de uma arma:
Flambérgia disforme de ponta dentada.
Ao lado dele um ladrão se seduziu…
(Pelo sino: belém, belém)
E com a cabeça encapuzada baixa, rezou também.
Agachado de cócoras, o homem calvo retiniu
A lâmina do machado que ali o induziu
Vestia couro e ferro chapado, tinha o semblante cansado;
Não era amigo do caçador de lupinos, que redarguiu:
“Um trapaceiro a ver a chama?
De certo alguma cousa trama.
Viajei desde Liméria, caminhei sem ver pilhéria
Nas rameiras do beiral.
E tu te sentas em ressalva, dessas tuas nadégas
Assadas de foder em carnaval”.
Este vestia o negro, porque era irmão jurado
Aos prazeres da carne renunciado,
Tinha olhos leitosos de restrição.
A runa rasgada em sua carne
Era eco sanguinário
De uma terra sem perdão.
E ali mais ao final, fechando o semicírculo
O cavaleiro cabisbaixo observava todo o circo
Eu tinha os olhos dele, porque muito triste estava
Ao nascer herdei a alma, a pele e a fortuna
Daquele homem que cambaleava.
Há muito na lama perdi brasão, motivo
E senhor; lutei por tanto tempo
E nunca arranhei o terror
Que na noite habitava e nos reunia.
Olhando para a sinistra, notei-me o perfume
Dos descalços pés limpos da dama dos lumes
Ela cintilava certa forma, que atraía a fagulha
Do piromante, o martelo do ferreiro
E o olhar de bons amantes;
Era o que a bruxa procurava, o que o inimigo
Do caçador abominava, e o pavor do Rei Antigo.
A dama dos lumes então soergueu a saia, revelando a lisa faia do áureo sobrevestido
E caminhou com passos finos, ecoando
Ao menino, ao cavaleiro e ao fantasma erguido.
Com aval do velho lorde, pôs a mão em seu consorte
Que lhe deu a mão amada.
E a mim neste cohorte, quando a chama queimou tudo
Não sobrou sequer a falha.
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