quinta-feira, 11 de julho de 2024

Cohorte noturno

 

O Rei Antigo sentado em seu trono

Era o principal ponto da visagem.

À sua direita uma mulher confronto,

Meus olhos a vêem branca debaixo do

Véu claro e oblongo.

Segue a ela uma velha, decrépita e vermelha

Sentada na alta-cadeira entalhada

Na velha e austral cadeira de ama;

Sua capa é rubra, estarrecida de chama.

Ao seu lado um cavaleiro, brilhante 

E felizeiro como o Sol. Ele sorri metálico 

Com o aço reluzindo as partes descobertas 

De sua doce capa azul, tinindo.

E então um prisioneiro. Sua máscara de rua

É sina descoberta de seus crimes contra a Lua

E o roupão de ferro é tortura robusta

Feita com esmero, para imitar um cavaleiro de justa.

Mas ali o carcereiro, bem mesmo o seguindo 

Veste armadura negra, tachonada de refinos.

Seu elmo é um mastim, com mandíbulas de aço

E os olhos fulgorosos, suportando um alecrim

Que a curandeira o dera com um pote de melaço.

(Suave curandeira, menina matreira

Que fique entre nós; sua morte foi necessária)

Sucedia-a o feiticeiro, homem de cabelos negros

E intenções sombrias. Escrevia em papiro,

Destilava flor de lírio, em pastilhas coloridas 

Que o cavaleiro brilhante colecionava. Vestia-se

De preto, tinha um livro em breu aberto,

Páginas escurecidas. A pele era alabastro.

Mas e o piromante cego? Tantas voltas já fazia

Estava em meio a roda, com seu arco de polia;

Vestia cetim sujo e grosso, rasgado e um pouco roto

Na mão a velha flama, coberto o rosto por bandanas

O piromante era fagulha, ao que com martelo

O grande ferreiro vertia as chamas.

Era este grosso e bronco, todo sujo

De carvão, as mãos todas calejadas

No pescoço um medalhão;

Batia com o martelo ali parado

Em hora menos solene, agora sentava prostrado

Esperando o mais tardar

Ou a canção da Sirene.

Tinha o peito desnudado, 

Que de soslaio fitava a bruxa,

Quem em outra vida fora puta;

Desfilava chapéu negro e pontudo

Encobrindo os róseos lábios bojudos

E o vestido sereno e escuro

Guardando a bainha sombria, que dera, junto

Com a alma, para afar sua magia.

Sua irmã de revelia, de robe e galardão 

Amaldiçoado, coque branco e tranças tilintando

Com trinados, que só os chocalhos 

Feitos-dourados podiam soar, ao seu lado falecia;

Na cintura a espada da noite, com lâmina efêmera 

E corte semifísico, herança de passado demoníaco

Também sem bainha jazia.

Ali mais haviam o seu tio e sua concha selada,

De uma raça danificada e deixada vazia

Pelos trejeitos misteriosos do deus umbroso

Que por suas mãos oscuras as correntes fazia;

E o cajado com o sino, soando sempre um destino

Às vezes calava também…

Na figura de um menino, olhava-se outro cavaleiro

(E o sino: belém, belém)

Com espada e braseiro amoitado em lampião;

Cutucava uma botija, em sua mão a luva rija

Friorava um comichão: viera desde a noite fria

Sentar-se em cohorte, em busca de sua consorte:

A chama que os pariu.

O homem invocado, com a capa e o arado

Fulgurava de outro mundo um brilho anil

Copiava em sua mão, a lembrança de uma arma:

Flambérgia disforme de ponta dentada.

Ao lado dele um ladrão se seduziu…

(Pelo sino: belém, belém)

E com a cabeça encapuzada baixa, rezou também.

Agachado de cócoras, o homem calvo retiniu

A lâmina do machado que ali o induziu 

Vestia couro e ferro chapado, tinha o semblante cansado;

Não era amigo do caçador de lupinos, que redarguiu:

“Um trapaceiro a ver a chama?

De certo alguma cousa trama.

Viajei desde Liméria, caminhei sem ver pilhéria

Nas rameiras do beiral.

E tu te sentas em ressalva, dessas tuas nadégas

Assadas de foder em carnaval”.

Este vestia o negro, porque era irmão jurado 

Aos prazeres da carne renunciado,

Tinha olhos leitosos de restrição.

A runa rasgada em sua carne

Era eco sanguinário

De uma terra sem perdão.

E ali mais ao final, fechando o semicírculo 

O cavaleiro cabisbaixo observava todo o circo

Eu tinha os olhos dele, porque muito triste estava

Ao nascer herdei a alma, a pele e a fortuna

Daquele homem que cambaleava.

Há muito na lama perdi brasão, motivo

E senhor; lutei por tanto tempo

E nunca arranhei o terror

Que na noite habitava e nos reunia.

Olhando para a sinistra, notei-me o perfume

Dos descalços pés limpos da dama dos lumes

Ela cintilava certa forma, que atraía a fagulha

Do piromante, o martelo do ferreiro

E o olhar de bons amantes;

Era o que a bruxa procurava, o que o inimigo

Do caçador abominava, e o pavor do Rei Antigo.

A dama dos lumes então soergueu a saia, revelando a lisa faia do áureo sobrevestido

E caminhou com passos finos, ecoando

Ao menino, ao cavaleiro e ao fantasma erguido.

Com aval do velho lorde, pôs a mão em seu consorte

Que lhe deu a mão amada. 

E a mim neste cohorte, quando a chama queimou tudo 

Não sobrou sequer a falha.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Desafio do Armeiro (Traduzido do original de Ted Peterson)

  [Escolhi não traduzir nomes próprios salvo em raras exceções, a maioria destas quando aqueles são derivados de nomes latinos e convenciona...